Poetas de cá e do Mundo


Ser Poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Áquem e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

                                   Florbela Espanca
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Quando Chegar a Hora

Quando eu, feliz! morrer, oiça, Sr. Abbade,
Oiça isto que lhe peço:
Mande-me abrir, alli, uma cova á vontade,
Olhe: eu mesmo lh'a meço...
O coveiro é podão, fal-as sempre tão baixas...
O cão pode lá ir:
Diga ao moço, que tem a pratica das sachas,
Que m'a venha elle abrir.
E o sineiro que, em vez de dobrar a finados,
Que toque a Alléluia!
Não me diga orações, que eu não tenho peccados:
A minha alma é dia!
Será meu confessor o vento, e a luz do raio
A minha Extrema-Uncção!
E as carvalhas (chorae o poeta, encommendae-o!)
De padres farão.
Mas as aguias, um dia, em bando como astros,
Virão devagarinho,
E hão-de exhumar-me o corpo e leval-o-ão de rastros,
Em tiras, para o ninho!
E ha-de ser um deboche, um pagode, o demonio,
N'aquelle dia, ai!
Aguias! sugae o sangue a vosso filho Antonio,
Sugae! sugae! sugae!
Raro têm de comer. A pobreza consome
As aguias,coitadinhas!
Ao menos, n'esse dia, eu matarei a fome
A essas desgraçadinhas...
De que serve, Sr. Abbade! o nosso pacto: 
Não me lembrei,não vi 
Que tinha feito com as aguias um contrato,
No dia em que nasci.
António Nobre, in 'Só'

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